.wp-block-co-authors-plus-coauthors.is-layout-flow [class*=wp-block-co-authors-plus]{display:inline}
bomba

Preso por planejar atentado a bomba diz em depoimento que intenção era provocar ‘estado de sítio’ e intervenção militar

George Sousa relatou que o plano foi elaborado pelos manifestantes que estão acampados no quartel-general do Exército

Brasília tem cinco chamados de bomba desde sexta; dois se confirmaram
Brasília tem cinco chamados de bomba desde sexta; dois se confirmaram (Foto: Reprodução - Twitter)

Preso na noite de sábado por planejar um atentado em Brasília com um explosivo instalado em um caminhão, George Washington de Oliveira Sousa relatou em seu depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal que a intenção do ataque era provocar as Forças Armadas a decretarem “estado de sítio” e realizarem uma intervenção militar, o que é inconstitucional.

Sousa, que é do Pará e relatou trabalhar como gerente de posto de gasolina, disse que se deslocou a Brasília no dia 12 de novembro para participar das manifestações no quartel-general do Exército e que o plano da bomba foi traçado pelos manifestantes do QG: explodir o artefato no estacionamento do aeroporto de Brasília.

“Eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das Forças Armadas e a decretação do estado de sítio para impedir instauração do comunismo no Brasil”, disse, conforme trecho do seu depoimento.

O motorista do caminhão, entretanto, percebeu um objeto estranho no seu veículo e acionou a polícia no sábado, o que impediu a concretização do atentado.

Sousa afirmou, no depoimento, que tirou registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) para poder adquirir armas por influência do presidente Jair Bolsonaro. “O que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro que sempre enfatizava a importância do armamento civil”, afirmou.

Por isso, ele afirmou que se deslocou a Brasília munido de um arsenal de pistolas, escopetas, um fuzil, mais de mil munições de diversos calibres e cinco bananas de dinamite para apoiar uma intervenção militar.

Após a prisão em flagrante na noite de sábado, Sousa foi levado a uma audiência de custódia na tarde deste domingo. A juíza Acácia Regina Soares de Sá converteu a prisão em flagrante em preventiva (sem prazo para terminar) sob argumento de que o arsenal de armas encontrado com ele apontava “risco à incolumidade pública”.

Especialistas que conversaram com O GLOBO criticaram “o apreço por táticas violentas” de apoiadores de Bolsonaro, como o empresário George Sousa. Eles também divergem sobre o aspecto político do episódio deste fim de semana, veem risco em atos antidemocráticos e relembram o atentado ao Riocentro, em 1981.

Para Valdir Pucci, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), a ocorrência em Brasília é inegavelmente preocupante.

– Durante quatro anos, muitas dessas pessoas ouviram de integrantes do atual governo que a eleição seria uma fraude, se não fossem aqueles esperados por eles. A partir desse mantra, essas pessoas simplesmente não aceitam o resultado das urnas – disse Pucci ao GLOBO.

Para o especialista, o fato de o atual governo não ter itido publicamente com clareza a derrota nas urnas e ter incentivado a mobilização de manifestantes em atos antidemocráticaos contribui para episódios como o deste fim de semana.

– O ideal seria que o atual presidente ou alguém indicado por ele fosse à TV, fosse às redes sociais e dissesse, com todas as palavras: ‘Houve uma eleição, perdemos, volta-se para casa, vamos ser oposição durante os próximos quatro anos e nos preparar para 2026’. Seria a saída mais condizente com esse processo, mas o que nós vemos é justamente o contrário. Depois do dia 1º espera-se que as pessoas que pensam diferente entendam que o processo eletivo realmente aconteceu.

Pucci compara o caso do dinamite encontrado perto do Aeroporto Internacional de Brasília com o atentado no Riocentro, o centro de convenções localizado na zona oeste do Rio de Janeiro, em abril de 1981. Na ocasião, às vésperas do feriado do Dia do trabalho, uma bomba foi explodida acidentalmente por militares do Exército perto de onde ocorreria um show para 20 mil pessoas. A intenção era incriminar grupos de esquerda que faziam oposição ao regime militar, à época. Generais do Exército chegaram a ser acusados formalmente do crime, mas a ação penal acabou engavetada.

– Fazendo um paralelo com o caso Riocentro, lá a bomba chegou a explodir. No caso de ontem, foi apenas uma tentativa. Mas mesmo com a bomba explodindo no Riocentro, não houve a paralisia do processo político, que continuou e chegamos à democracia. E também esse movimento que houve em Brasília não vai interromper o processo. Falta uma semana para a posse do novo presidente. Trata-se de um fato político já consolidado.

Críticas ao ministro

O advogado e doutor em Direito, Marcelo Peregrino, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), discorda da avaliação de que o plano de atentado em Brasília apresente aspectos políticos e chama de “equivocadas” as declarações do futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA) sobre o episódio. Neste domingo, Dino afirmou pelo Twitter que os acampamentos de bolsonaristas são “incubadoras de terroristas”.

– O momento é de apaziguar os ânimos da nação. Acho um equívoco um ministro da Justiça dar relevância a algo que está afeto a uma delegacia de polícia. Ainda que tenha motivos políticos, é um crime comum, que deve ser debatido no âmbito do combate à criminalidade. Prestar uma conotação política para uma atuação criminosa é dar representatividade e relevo para o que é apenas um crime – diz Peregrino.

Segundo ele, é preciso, contudo, ter cautela.

– Haveria repercussão política a partir do momento que as autoridades públicas deixarem de apurar esse crime comum fundadas em simpatias ou predileções político-partidárias. Aí teríamos prevaricação e cumplicidade.

Intenções antidemocráticas

Advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diogo Gradim afirma que o extremismo político no Brasil, com frequência reduzido a posições binárias supostamente equivalentes, é visto mais vezes em atos praticados por apoiadores de Bolsonaro. Essa constatação, segundo ele, deveria levar a um olhar mais atento das autoridades para manifestantes contrários à democracia.

– Precisamos abandonar a ideia geral de dois pólos equivalentes – diz Gradim, em referência às posições políticas de esquerda e direita atualmente – Embora 2022 tenha mostrado um cenário eleitoral equilibrado e adversários igualmente fortes eleitoralmente, não há equivalência nesse aspecto da violência em massa.

Gradim avalia que o atentado a bomba planejado em Brasília explicita o que chama de “face já anunciada de um movimento político extremista”, segundo ele, difundida entre apoiadores de Bolsonaro.

– Não é segredo que o movimento político bolsonarista tenha intenções antidemocráticas que, inclusive, são declaradas pelos membros em todas as oportunidades possíveis. O apreço por táticas violentas sempre foi explícito. O plano de usar um atentado para criar motivação para um fechamento de regime retoma a pior tradição da extrema direita brasileira, com o atentado no Riocentro – diz.

– Esse plano de atentado em Brasília eleva a situação a um novo nível de risco à democracia e à própria vida de um conjunto maior de pessoas. Temos um aspecto diferente no surgimento de um grupo organizado, financiado e disposto a utilizar de violência em massa para impulsionar pautas políticas – afirma Gradim.

Apesar da motivação supostamente política por trás do plano frustrado na véspera do Natal, o advogado aponta que há restrições em classificar o ato como terrorista perante a lei brasileira.

– Embora possamos qualificar, do ponto de vista político ou a partir de tratados internacionais, o ato como terrorista, a lei brasileira exige para a caracterização do crime de terrorismo que o ato seja praticado por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.